domingo, 25 de julho de 2010
Poética (Manoel Bandeira)
terça-feira, 13 de julho de 2010
Crime.
by ~glassdrum on DeviantArt
O contato se torna inevitável. Os campos se unem, mesmo querendo nunca se unir. De tão pequeno o espaço, de tão grande os mundos... se invadem. “Porque eu não fui pelas escadas? Ah, são onze andares. Não sou louca de ir pelas escadas. Invasão. Total invasão de privacidade. Quem ela pensa que é?” Calça jeans, moletom, allstar, ecobag. Olheiras, sono, corpo pesado, postura curvada, cabelo sujo. “E ela... ela...” Saia comprida, sapatos gastos marrons e de salto grosso. “Que mau gosto para sapato.” Blusa social, carteira de mão. Cheiro de colônia. “Como se tivesse que dar um cheiro ao que parece inodoro.” Mas que de inodoro nada tinha. Era um cheiro de armário. “Não. Não é cheiro de naftalina. Engana-se caso pense que é.” Era cheiro de armário. Um cheiro do abafado que precisa respirar. “Não tinha lugar mais inconveniente que esse, para uma pessoa cheirar assim.” Apesar de tudo, dava a impressão de que ela não queria sair, nunca iria sair. Tão inerte. Talvez como um baú de fundo de armário. “É isso. Ela guarda algo.” Pele seca, rachaduras de solo que há muito não se hidrata, olhos como vidro fosco, olhar perdido de quem não vê oásis e sequer espera ver. Autômato. Nada parece ter a fazer, mas era como se a bateria não tivesse acabado, portanto não poderia parar. “Autômato. Veio máquina que imita humano, adentrou o elevador, apertou um botão e sem um olhar humano... invadiu. Sei que vista de fora pareço quase morta, mas ao menos pareço uma humana morta. Se é que isso é lucro. Um zumbie que olha o robô que nada olha. Que merda.” Nada olha. Talvez até olhe, mas o que olha só lhe serve para permitir movimento sem que colida aos obstáculos. “Duvido. Tenho certeza que sempre bate com os ombros nas portas.” Cheiro de baú de fundo de armário. Seco, velho e gasto. Inútil, esquecido. “Essa porra não é à bateria, é à corda. Tal como aquelas bailarinas quando começa a desacelerar ao fim da corda na caixa de música. Acorda!” Não era bonita como bailarina. Olhos de ave. Ave sem presa à vista, cansada como em banho de sol. “Você resseca meu ar, velha ave ao sol que protege algo inútil. Por que VOCÊ não foi pela escada? Autômato! Só pode. Não percebe o limite? Eu não invado seu espaço.” Abre a porta. Sai o ar abafado de armário. Entra luz que não é artificial. Acorda. Fitam-se. Estremecem. “Ousadia. Agora dá para me encarar.” Ela se apressa e bate com o corpo na porta do elevador. O corpo não era tão rígido quanto parecia, pois se viu um leve desfalacer. Fitam-se. Pele seca, rachaduras de solo que há muito não se hidrata, olhos como vidro translúcido, olhar de quem vê oásis e, por necessidade, precisa se apressar. Feia, ave bailarina, à corda, que guarda coisas velhas, diz: “Sentiu um grande desconforto nesse elevador? Um quase desmaiar. Senti-me estrangulada. Senti-me morrer. Você sentiu? Da próxima vez irei pelas escadas. São só 3 andares.” Invasão. Total invasão de privacidade. Calça jeans, moletom, allstar, ecobag. Olheiras, sono, corpo pesado, postura curvada, cabelo sujo: nada fala. “Não. Eu não senti. Estrangulei-a violentamente.”