terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Beija Flor



Em algum lugar ela nasceu... e como toda, desorientada, não sabia nem mesmo nada. Cresceu em meio de muitos que lhe ensinaram aquilo que se deveria aprender. Esses muitos eram iguais, seus iguais. E com o tempo seus caminhos lhe foram sendo mostrados: contentes e práticos.

Ensinaram-lhe seus símbolos e seus hinos, que em pouco tempo tornaram-se também seus. E o mais importante: praticamente assim que abriu os olhos, já lhe foi passado o grande sermão do compromisso. Das prioridades. Dos limites.

Tudo era restrição. Tudo começava com letra maiúscula e terminava em ponto final. E é assim que tudo é. A terra gira em torno do sol.

-- Mas e o universo até onde vai?

A terra gira em torno do sol.

Aprendido, seguiu seu caminho. Exato, aquele seu que era também dele e do outro antes e depois dele. Tudo parecia muito simples, nem mesmo complicava quando se queria divertir.

-- Claro! Diversão pode. Mas depois do compromisso, com seus devidos pingos nos “is”. Com sua ordem, seu objetivo, suas agradáveis regras.

Simples, contente e rápido. O imperativo do dever cego que marcha. Primeiro a perna direita, depois a esquerda, depois a direita de novo. E tudo isso em uníssono ritmo cantante, sorriso marcante e ponto final.

E então ela, já crescida, descobre que existe algo em si que diferencia. Que se estranha. Algo que deveria ter acento, mas que não tinha.

Resolveu mostrar. Afinal, porque não mostrar o diferente? E assim, se surpreendeu por ninguém entender. Era tão bonito, se podia tanto... E era exatamente nisso que era repreendida: naquilo que se podia.

Assustou-se por perceber que depois de sua descoberta não poderia voltar mais a sentença fechada e correta de todos os dias.

Descoberto, seguiu seu caminho. Exato, aquele seu e de mais ninguém.

E por mais que os agora outros, tivessem a chamado de mil nomes, para assim deixar claro a espécie que era, mas que não pertencia; essa correu da limitação da denominação. Da prisão daquilo que se tem nome.

Porém, não conseguia evitar gostar quando a chamavam, não sem escárnio, “daquela que tem asas”.

e sorria ao pensar que todos também tinham

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Silêncio

by ~smokeworld on DeviantArt

Eu acordei.
Não me recordo porque acordei,
mas sei que havia algo que eu deveria fazer.
Desci lentamente da escada do beliche.
Estava bem cedo,
eu não queria acordar ninguém.
Tomei um banho e me arrumei.
Quer saber...
Vou à praia.
Sai do quarto abri a porta e andei.
Mais de 3 hora e 40 minutos em silêncio.
Eu acho engraçada a sensação de ficar tanto tempo em silêncio.
Muitas palavras, muitas palavras dentro de mim e nenhuma sai.
Assim,
pelo menos,
eu não preciso me preocupar com o exato fato de que elas sairiam.
Não é preciso que saiam.
Mais de 3 hora e 40 minutos sem que as minhas palavras precisassem sair de mim.

Eu via o mar em silêncio e ele,
em silencio,
me respondia que eu nada precisaria falar pra ele.
Eu amei.
Eu amei... o mar.
Eu o olhava admirada.
O mar sabia que ali,
eu o amava.
E vinha devagar na minha direção.
E ia devagar embora,
pois o mar deve saber que do amor se forma um jogo.
O mar sempre joga.

Ainda em silêncio,
eu jogava de amar.
Mas como sempre me vem,
que nem a vontade da fala,
me veio o desejo de se entregar ao outro e sê-lo.
Eu queria ser o mar.
Quem sabe assim eu poderia aceitar o silêncio de você
E,
quem sabe assim você me amaria.
Eu tive um impulso.
Eu andaria até ele.
Molharia os pés,
não cessaria de andar.
Uma hora não daria mais pé.
Me leva correnteza,
me leva.
As ondas iriam quebrar em mim.
Todo jogo de amor tem um limite.
Não se pode ser o outro.
É o fim do amor.
Repulsa.
As ondas quebrariam em mim.
Eu não posso mais voltar!
Eu não posso mais voltar.
Eu não posso mais voltar....

Se eu morrer aqui...
E você,
como eu,
um dia,
admirado...
Em silêncio,
for compreendido pelas ondas.
Pelo silêncio dessa praia...
Você vai amar.
Você vai me amar.
Porque agora eu sou o silêncio que te aceita.

Eu seria o silêncio que te aceita...

Se depois de 3 horas e 40 minutos não fossem necessárias as palavras...
“Oi, Aline! Você por aqui!”
“Pois é. Eu por aqui.”

sábado, 24 de outubro de 2009

( )

by *Vanguard1219 on DeviantArt

Particularmente,
eu acho que a Aline é meio maluca.

Meio Boderlaine,
meio neurótica,
meio perversa,
meio voyer,
meio hostil,
com desorientação alopsíquica,
com uma alteração da função de consciência de realidade,
umas idéias delirantes primárias,
umas alucinações auditivas verbais e hipocondria,
logicamente.
E do jeito que está se referindo a si mesma em terceira pessoa,
creio que tem alteração da função da consciência de si também.

Às vezes,
eu acho que a Aline parece uma personagem de mau gosto de um romance existencialista do século passado que hoje em dia é reduzida ao um quadro de psicopatologias.

Maldita liberdade que não me deixa me reduzir a esse quadro.
Eu discordo!
Eu não sou!

Pareço um bixo inquieto.
Daqueles que perdidos em um ambiente diferente sente fome,
mas que não sabe da onde tirar o alimento.
Eu preciso.
O vazio é potente demais.
Me preenche.
Me deixa ser patologia.

Me deixa ser uma alteração.
Me tira de mim.
Me tira do eu,
do livre,
do vazio.


Mentira.
Me deixa me transformar no que eu quiser.
Enquanto eu estiver,
eu sou livre.
Quero apenas ser livre mais livremente.
Queria que o seu olhar não me paralisasse.
Queria a admiração ingênua do homo demens de mim.
Qualquer coisa ainda que ingênua.
Porque o seu olhar...
esse olhar que significa o mundo o tempo todo,
que me resignifica o tempo todo,
ele me acorrenta num quadro psicopatológico.

Vem,
vem comigo...

ou então me deixa ir.
Aqui eu não quero ficar.
Foge desse mundo comigo.
Vamos fugir dos olhares.
Vamos fazer um mundo entre parênteses.
Vem...
ou me deixa ir...

Porque eu estou livre.
Uma personagem,
represento o que é o ser.
De mau gosto,
o estranho incomoda.
E eu estou livre...
porque eu sou o nada.
O vazio potente.

sexta-feira, 16 de outubro de 2009

TABACARIA - Álvaro de Campos (heteronimo de Fernando Pessoa)

by ~lastdinousar on DeviantArt

Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.


Janelas do meu quarto,
Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem é
(E se soubessem quem é, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessível a todos os pensamentos,
Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a por umidade nas paredes e cabelos brancos nos homens,
Com o Destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.


Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua
A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Estou hoje perplexo, como quem pensou e achou e esqueceu.
Estou hoje dividido entre a lealdade que devo
À Tabacaria do outro lado da rua, como coisa real por fora,
E à sensação de que tudo é sonho, como coisa real por dentro.


Falhei em tudo.
Como não fiz propósito nenhum, talvez tudo fosse nada.
A aprendizagem que me deram,
Desci dela pela janela das traseiras da casa.
Fui até ao campo com grandes propósitos.
Mas lá encontrei só ervas e árvores,
E quando havia gente era igual à outra.
Saio da janela, sento-me numa cadeira. Em que hei de pensar?


Que sei eu do que serei, eu que não sei o que sou?
Ser o que penso? Mas penso tanta coisa!
E há tantos que pensam ser a mesma coisa que não pode haver tantos!
Gênio? Neste momento
Cem mil cérebros se concebem em sonho gênios como eu,
E a história não marcará, quem sabe?, nem um,
Nem haverá senão estrume de tantas conquistas futuras.
Não, não creio em mim.
Em todos os manicômios há doidos malucos com tantas certezas!
Eu, que não tenho nenhuma certeza, sou mais certo ou menos certo?
Não, nem em mim...
Em quantas mansardas e não-mansardas do mundo
Não estão nesta hora gênios-para-si-mesmos sonhando?
Quantas aspirações altas e nobres e lúcidas -
Sim, verdadeiramente altas e nobres e lúcidas -,
E quem sabe se realizáveis,
Nunca verão a luz do sol real nem acharão ouvidos de gente?
O mundo é para quem nasce para o conquistar
E não para quem sonha que pode conquistá-lo, ainda que tenha razão.
Tenho sonhado mais que o que Napoleão fez.
Tenho apertado ao peito hipotético mais humanidades do que Cristo,
Tenho feito filosofias em segredo que nenhum Kant escreveu.
Mas sou, e talvez serei sempre, o da mansarda,
Ainda que não more nela;
Serei sempre o que não nasceu para isso;
Serei sempre só o que tinha qualidades;
Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta,
E cantou a cantiga do Infinito numa capoeira,
E ouviu a voz de Deus num poço tapado.
Crer em mim? Não, nem em nada.
Derrame-me a Natureza sobre a cabeça ardente
O seu sol, a sua chuva, o vento que me acha o cabelo,
E o resto que venha se vier, ou tiver que vir, ou não venha.
Escravos cardíacos das estrelas,
Conquistamos todo o mundo antes de nos levantar da cama;
Mas acordamos e ele é opaco,
Levantamo-nos e ele é alheio,
Saímos de casa e ele é a terra inteira,
Mais o sistema solar e a Via Láctea e o Indefinido.


(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)


Mas ao menos fica da amargura do que nunca serei
A caligrafia rápida destes versos,
Pórtico partido para o Impossível.
Mas ao menos consagro a mim mesmo um desprezo sem lágrimas,
Nobre ao menos no gesto largo com que atiro
A roupa suja que sou, em rol, pra o decurso das coisas,
E fico em casa sem camisa.


(Tu que consolas, que não existes e por isso consolas,
Ou deusa grega, concebida como estátua que fosse viva,
Ou patrícia romana, impossivelmente nobre e nefasta,
Ou princesa de trovadores, gentilíssima e colorida,
Ou marquesa do século dezoito, decotada e longínqua,
Ou cocote célebre do tempo dos nossos pais,
Ou não sei quê moderno - não concebo bem o quê -
Tudo isso, seja o que for, que sejas, se pode inspirar que inspire!
Meu coração é um balde despejado.
Como os que invocam espíritos invocam espíritos invoco
A mim mesmo e não encontro nada.
Chego à janela e vejo a rua com uma nitidez absoluta.
Vejo as lojas, vejo os passeios, vejo os carros que passam,
Vejo os entes vivos vestidos que se cruzam,
Vejo os cães que também existem,
E tudo isto me pesa como uma condenação ao degredo,
E tudo isto é estrangeiro, como tudo.)


Vivi, estudei, amei e até cri,
E hoje não há mendigo que eu não inveje só por não ser eu.
Olho a cada um os andrajos e as chagas e a mentira,
E penso: talvez nunca vivesses nem estudasses nem amasses nem cresses
(Porque é possível fazer a realidade de tudo isso sem fazer nada disso);
Talvez tenhas existido apenas, como um lagarto a quem cortam o rabo
E que é rabo para aquém do lagarto remexidamente


Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz.
O dominó que vesti era errado.
Conheceram-me logo por quem não era e não desmenti, e perdi-me.
Quando quis tirar a máscara,
Estava pegada à cara.
Quando a tirei e me vi ao espelho,
Já tinha envelhecido.
Estava bêbado, já não sabia vestir o dominó que não tinha tirado.
Deitei fora a máscara e dormi no vestiário
Como um cão tolerado pela gerência
Por ser inofensivo
E vou escrever esta história para provar que sou sublime.


Essência musical dos meus versos inúteis,
Quem me dera encontrar-me como coisa que eu fizesse,
E não ficasse sempre defronte da Tabacaria de defronte,
Calcando aos pés a consciência de estar existindo,
Como um tapete em que um bêbado tropeça
Ou um capacho que os ciganos roubaram e não valia nada.


Mas o Dono da Tabacaria chegou à porta e ficou à porta.
Olho-o com o desconforto da cabeça mal voltada
E com o desconforto da alma mal-entendendo.
Ele morrerá e eu morrerei.
Ele deixará a tabuleta, eu deixarei os versos.
A certa altura morrerá a tabuleta também, os versos também.
Depois de certa altura morrerá a rua onde esteve a tabuleta,
E a língua em que foram escritos os versos.
Morrerá depois o planeta girante em que tudo isto se deu.
Em outros satélites de outros sistemas qualquer coisa como gente
Continuará fazendo coisas como versos e vivendo por baixo de coisas como tabuletas,


Sempre uma coisa defronte da outra,
Sempre uma coisa tão inútil como a outra,
Sempre o impossível tão estúpido como o real,
Sempre o mistério do fundo tão certo como o sono de mistério da superfície,
Sempre isto ou sempre outra coisa ou nem uma coisa nem outra.


Mas um homem entrou na Tabacaria (para comprar tabaco?)
E a realidade plausível cai de repente em cima de mim.
Semiergo-me enérgico, convencido, humano,
E vou tencionar escrever estes versos em que digo o contrário.


Acendo um cigarro ao pensar em escrevê-los
E saboreio no cigarro a libertação de todos os pensamentos.
Sigo o fumo como uma rota própria,
E gozo, num momento sensitivo e competente,
A libertação de todas as especulações
E a consciência de que a metafísica é uma conseqüência de estar mal disposto.


Depois deito-me para trás na cadeira
E continuo fumando.
Enquanto o Destino mo conceder, continuarei fumando.


(Se eu casasse com a filha da minha lavadeira
Talvez fosse feliz.)
Visto isto, levanto-me da cadeira. Vou à janela.
O homem saiu da Tabacaria (metendo troco na algibeira das calças?).
Ah, conheço-o; é o Esteves sem metafísica.
(O Dono da Tabacaria chegou à porta.)
Como por um instinto divino o Esteves voltou-se e viu-me.
Acenou-me adeus, gritei-lhe Adeus ó Esteves!, e o universo
Reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança, e o Dono da Tabacaria sorriu.

domingo, 11 de outubro de 2009

Do esboço ao nada.

Eu quero voltar... mas apagaram o retorno.
Os pássaros comeram as migalhas de mim que deixei pra trás pra marcarem caminho.
Agora não tem volta?
Terei que ficar presa nesse ser incompleto, mudado, piorado pra sempre?
Abdiquei do ser em função do estar...
Arrependo-me.
Não tem como mentir...
Verdadeiramente me arrependo.
Como se volta a ser?
O que eu faço com essa coisa que chamo hoje de Eu?
Acho que no fim, gostava da segurança.
Gostava do azul, o eterno azul.
Quis virar vermelho e perdi o confortável e sempre presente azulado.
Será que seria sensato tentar voltar às cegas?
Será que me acharia de novo ou só me perderia mais?
Por que mudei?
Por que marquei o caminho com pedaços soltos de mim?
Pois é...
Ninguém avisou que poderia seguir inteira.
Ninguém avisou que não tinha problema não mudar.
Ninguém avisou que gostavam de quem eu era.
Ou avisaram?
Bem...
Descobri isso depois.
A derradeira tomada de consciência só apareceu quando de repente já não estava mais em casa.
Abri os olhos e havia saído... havia entrado na temida floresta..
Naquela da qual fugi por tanto tempo...
E lá não encontrei nada.
Nada.
Nem casa feita de doces, nem bruxa.
O que encontrei foi mais caminho.
O que encontrei foi um eu que em mim havia se perdido.
Adotei o estar.
Adotei o fluido.
E consegui confusão.
Na busca de me encontrar me perdi.
Na busca de melhorar...
O que restou?
Questiono-me: tornei-me um monstro?
Não.
Tornei-me um de vez em quando, nem sempre, talvez hoje, mas não amanha... monstro.
Bonito essa coisa de estar... bonito isso de mudar pra agradar...
HÁ.
Muda pra agradar e desagrada.
Desagrada a todos e desagrada ao si, agora despedaçado.
Hoje me estranho.
Peguei o eu que havia criado tão arduamente e apaguei.
Apaguei.
Como se apaga um perfil fake de orkut.
Que merda eu estava pensando?
Chamavam-me de luz e eu quis mudar?
Falavam que eu era boa e eu quis ser má?
Não.
Não foi isso. Eu juro. Não foi.
Mas não sei o que foi.
Você acredita em mim se digo que não é, mas não sei explicar o que é?
Eu tinha um teto. Um ótimo teto.
E sai pra floresta?
Arrependo-me.
Não tem como mentir...
Verdadeiramente me arrependo.
Não sei do que sou feita, porque não sou mais feita, sou ar.
Instável. Mutável. Totalmente perdida.
Desestabilizada.
Desestruturada.
Em vez de me usar como esboço, me apaguei pra fazer tudo de novo.
Tudo do zero.
Zero,
eis o que restou do ser que uma vez já fui.
Zero ou monstro?
Já não sei mais.
Esse é o ponto.
Não sei, não sou...
Mas tenho uma pergunta pra você:
você gosta do que me tornei?
Tenho uma pergunta pro ar:
você gosta do que se tornou?

sábado, 10 de outubro de 2009

Ela, nela.

by ~kalani1980on DeviantArt

Ela passa pelo corredor.
Vê cada quarto.
Pára.
Dentro de um quarto...
ela se vê:

Rançoso dia de chuva.
O dia se arrasta como gosma.
A mesma gosma que a prende no quarto.
Sim,
a porta está aberta,
mas ela está presa no quarto.
Ressoa como um lamento grotesco:

“Lime Green, lime Green and tangerine.”
“Are the sickly sweet colours of the devil in my dreams”

Ao ver, acha que é ela que se prende a gosma.
Ela se prende do ranço do dia,
como quem tem o desgosto da constante lembrança de que só a morte é certa.
Ela se prende.
Por medo.
Sente-se o cheiro forte do apavoramento.
Imobilizada,

se vê olhar pro teto.
Um olhar de viciada.
Quantos vícios foram para que se esquecesse?
Quantas marcas foram feitas nesse rosto para que se lembrasse?
Ela não esquece,
ela não se lembra.
É o que é no estar de se estar.
Ela sabe que está no que é.
Mas o que é?
Se prende na esperança fria,
quase que morta,
como ela.
A esperança é a gosma.
A esperança é a gosma inescapável de crer que se pode explicar o que é.
Mas o que é?
Ela só sabe estar.
Ela está.
Ela é o estar?
Ela não é.
Nunca foi.
Não importa as marcas no rosto.
Elas só estão.
O rosto some um dia junto com as marcas.
O quarto e a gosma ficam.
Fica para um outro “estar” qualquer que tem a mesma esperança fria.

Pelo medo do nada,
pelo medo do ser,
Ela representa no estar um “ser” ilusório para enganar a quem a vê fora do quarto.
Ela "é" os seus vícios,
as suas marcas.
A intensidade que se produz facilita a representação.
Quanto mais dói,
mas real parece ser.
Parece ser…


Ela se prende.
Sim,
ela se prende.
Ela se vê,
de fora do quarto…
Presa.
Ela está fora.
Se vê.
Chora.
Parece ser real essa dor de se ver tão horrível,

tão desprezível...
quanto café frio.
Representação de ser.
Isso é o que é estar.
Até que não esteja mais.

Ela se apóia nos arcos da porta.
Sorri.
Linda, a gosma.
Lindo, o som.
Linda, a mulher.
Linda, a falsa tristeza.
Lindo, o desespero incrédulo.
Isso é o que é.
Entra,
senta na cama.
Entra em si.
E,

repete,
baixo,
como um suspiro de amor:

“Lime Green, lime Green and tangerine.”
“Are the sickly sweet colours of the devil in my dreams”

quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Ressaca emocional


Ontem bebi demais.

Virei uma garrafa inteira dele

e pra gelar,

coloquei cubos de ilusão.

Entorpecida, ri.

Aproveitei cada minuto.

Dancei.

Mas era pouco.

Sempre é pouco.

O muito nunca gela.

Dei outro gole,

e mais outro.

Quando vi, a garrafa de romantismo tinto já avisa se juntado.

Veio fazer parte da festa.

Completar a falta.

Aplacar a sede.

Sim, tive sede de você,

e bebi.

Bebi ao amor sem que sobrasse choro,

só lagrimas da certeza da farsa.

O engodo que veio com o gelo,

aquele da ilusão que misturei a você.

Gosto forte, cheiro tenso,

e ainda assim,

vício sem status de realidade.

Só cheiro.

Pois é,

o aroma branco do seu corpo se pega, se sente.

E só ele faz sentido.

Não.

Só ele dá sentido.

Pois é,

me embriaguei da história flambada que criei pra satisfazer.

Como se a própria idéia de satisfação não fosse piada.

Piada servida com Disney 12 anos e Shakespeare 1595.

Pois é,

ontem me era open bar

e as 3:45,

assim,

sem explicação,

eu continuei a te amar.