
The last tightrope walker by ~thePetya on DeviantArt
O acordar. Sabe que está para acordar. Sente a presença de tudo que lhe é conhecido a sua volta. Acordar no mesmo quarto. "O travesseiro sempre parece melhor quando você acorda". Aperta o travesseiro. "Tenho mesmo que levantar? Mas eu já estou acordado. Posso dormir de novo se eu ficar aqui parado. Mas eu também não quero dormir. O travesseiro parece melhor quando você acorda. Levanta, vai. Mas pra que? Poxa, levanta. Vai ao médico. Você está enrolando há 2 meses. Mas está bom aqui. O travesseiro parece melhor quando você acorda". Ainda de olhos fechados, sente que o que lhe era conhecido a sua volta vai mudando de forma. O quarto é maior, não, não é um quarto. É cozinha. "O que eu tomo pra café da manhã? Não estou com fome". Um copo d'água, uma maçã. Olhos fechados pra comer a maçã. "A maçã não tem tamanho. Só sei que 'é', porque ela me toca. Ou será que eu que toco nela?" Água. De cima pra baixo. No corpo. Desce, escorre. Olhos fechados. Som de água corrente. Som de natureza. Espuma. Cheiro artificial de natureza. Fim de chuva. Nudez. Olhos fechados para a nudez. "Prefiro não me ver por algum motivo. Minha nudez é mais livre se eu não vejo. Nada toco. Nada me toca, senão o chão abaixo dos pés". Uma torre. Do chão pra cima tudo é céu. Tudo é ar. Exceto o pé. O pé é base, é chão. Panos. Ele põe sobre si diversos panos, junto a uma proteção para a base. Proteção também para os olhos. Óculos escuros. "O que eu acho bom dos óculos escuros é que você pode fechar os olhos enquanto caminha sem que ninguém perceba". Isso lhe dava a sensação de estar em qualquer lugar ou em lugar nenhum. Ao estar em qualquer lugar, vinha a ele uma potência de criação que rasgava o espaço. Era o mesmo, limitado. Mas limitado num lugar qualquer. Do espaço rasgado emergiam sons, cores, luzes, pessoas, imagens. Tudo possível do lado de fora. Possível do lado de fora, com os olhos de dentro. Quando tudo ou qualquer lugar lhe era nada, não havia som, não havia cor. Sensação de um ar seco, um bufão, uma explosão. Potência explosiva. O tudo de dentro quer dominar o nada de fora. "Eu toco o nada. Meu limite não é de fora para dentro. Não são os panos que me prendem. Não é a proteção da base que me impede de tocar o chão." Nudez. Olhos fechados para a nudez. "Eu encosto no pano, ultrapasso. Eu prefiro não ver por algum motivo. Meu tamanho é livre se eu não me vejo, se eu não vejo o limite". Calmo. Passos. Vontade de velocidade. Do chão pra cima tudo é céu. Queda. "Maldito paralelepípedo". Olhos abertos. Óculos quebrados. Sangue quente sai do corpo. Corpo. O limite. O sangue sai do limite. "Pronto, está aqui o meu limite. Que merda! Como dói". Luz forte, cimento, barulho. Sentiu a transpiração. A luz forte é o Sol. A transpiração sai do limite, como o sangue. As mãos e as nádegas no cimento. "O cimento que me toca". O som. Os ouvidos captam, traduzem, vai ao cérebro. Até o barulho me vem de fora pra dentro. "Porra, que dor". A dor fica bem na fronteira do dentro e do fora. Chegou a conclusão que era um péssimo dia. Não foi ao médico. Não limpou o ferimento. Deitou na cama. "O travesseiro sempre parece melhor quando você você vai deitar. Eu vou pra qualquer lugar ou para lugar nenhum. Levanta de novo, vai. Eu até levantaria, mas eu não quero. Peraí, eu já levantei hoje?"
4 comentários:
Cara. Avanço... escrever algo um pouco diferente. :o
Um texto que roda na sua cabeça por 2 meses, depois que sai fica tão diferente. Fiz, refiz, desfiz. No papel... tudo diferente. Diferente, mas passa existir fora.
Você se superou. Se é que isso é possivel. Ficou incrivel
.
Adorei!
Ficou ótimo!
é bom escrever essas coisas q passam nas nossas cabeças...é concretizar em texto algo q simplesmente passa...
Boa =D
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