quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Bonequinha... nem luxo, nem lixo.

(meu sonho é ser imortal, meu amor...)

Acorda com disposição de agradar. Primeiro passo: ir ao banheiro. Toma banho, escova os dentes, escova o cabelo. Já está com as unhas feitas desde ontem. “Tem que se estar preparada, não é, meninas?” Na cozinha, toma um café leve, para não engordar. Isso lhe agrada. Sente-se leve e sob controle. Sorri e decide que está pronta pra sair. "Vai ser um bom dia. Tenho certeza." Volta para o quarto e abre o armário... do seu leque de possibilidades pega o vestido azul marinho de bolinhas brancas, alças finas e bem rodado. Um pouco transparente, portanto, precisa de uma anágua. Põe um cinto vermelho um pouco abaixo do busto pra marcar a cintura que tanto luta pra manter. Uma sapatilha... um arco, pois o dia está quente. Vai para o espelho, se olha, sorri e cora artificialmente o rosto. Último passo: ela se perfuma.

E, assim, sai de casa com disposição de agradar. Cheia de expectativas como se tivesse que ser reconhecida como mulher... E ser reconhecida como bela mulher, ainda por cima...

Ao chegar ao homem, com disposição de agradar, recebe: “Oi, você parece uma boneca.” Ganha um beijo no rosto e um sorriso. Mas algo dentro da boneca quebra. Algo dentro da boneca se contorce. Deve ser a mulher. A mulher que quer tanto agradar que tem um ar de boneca. Boneca de pano, vestido rodado... O rosto corado, artificialmente, encobre a mulher.

Passa o dia... chega em casa, se despe. Despe-se ou se desmonta? Tira sapatilha, vestido, arco, anágua, sutiã, calcinha. Nua, numa tentativa de sem pelo, se vê agora não mais boneca de pano, mas boneca de plástico. “Por que a gente quer ser de plástico?” Se olha no espelho do armário: “Me defina o que é mulher, pois eu não consigo.” Boneca de plástico vê refletida no espelho uma boneca de vidro. A boneca de vidro não responde. Elas se vestem... (ou se montam?) toda de novo. E, de novo, se olham. Despede-se da boneca de vidro, fecha a porta do armário.

Tal como uma criança joga um brinquedo do alto pelo prazer de pegá-lo e jogá-lo de novo... a boneca de luxo se joga da janela do 5° andar, mas sem o prazer de poder se levantar e se jogar de novo. Boneca de plástico vestida de boneca de pano, mais parece agora boneca de testes de automóveis.

Mas essa boneca quebrada não se joga no lixo, não nesses comuns. Sim, ela se fez pra brincar. A gente bem sabe que ela foi criada pra se brincar. Pequena marionete de desejos, de vontades, de pulsões. Mas essa boneca quebrada não se joga no lixo, não nesses comuns. Tem algo nela que se respeita... como mulher, sabe? E por ser mulher, não vai para o lixo... Enterra-se. E, enterrada, foi mais mulher do que nunca.

“Amada filha, irmã, sobrinha, amiga e mulher.”

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Ninguém sabe o que aconteceu... Ela se jogou da janela do quinto andar... Nada é fácil de entender.

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Photo by ~ball-jointed-Alice on DeviantArt

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